terça-feira, outubro 16, 2007

Ricardo Passarinho - em amena cavaqueira

Já vos tinha dado a conhecer, neste blog, a obra deste nosso artista da Benedita.

Fui ver a exposição de fotografia da sua autoria e fiquei encantada com o talento deste jovem.

Estranhei, no entanto que, tendo aberto um Armazém de Artes em Alcobaça (e, fazendo este último, parte de uma fundação que pretende trazer cultura a Alcobaça), Ricardo tivesse optado pelo posto de turismo (que embora faça muito pela nossa cultura tem menos condições do que o AA) e não por este novo edificio.

Daí a necessidade de uma conversa com este nosso artista.

Fiquei chocada com o que retive da conversa!

Afinal, o Armazém das Artes, na pessoa de José Aurélio, mostrou-nos um espaço elitista, onde só "cabem" os grandes, os famosos e, provavelmente, os "amigos".

tenho pena de ter de dizer isto mas... Portugal continua na mesma! O nosso esforço para mudar mentalidades parece não estar a surtir efeitos práticos.

Há que criar um espaço realmente dedicado a TODA A ARTE, e, muito em especial, aos novos talentos que, embora desconhecidos da maior parte da "elite" merecem o nosso incentivo.

aqui fica a entrevista com Ricardo Passarinho que também pode ser lida na próxima edição do jornal "O alcoa":


À conversa com Ricardo Passarinho




Depois de “Mater”, a sua mais recente exposição de Fotografia, aplaudida pelo público e pela Crítica, concluída a dissertação de mestrado sobre Mário de Sá-Carneiro e pouco antes de rumar a Angola, “sentámos Ricardo Passarinho no sofá”. A conversa fluiu, liberta.



LD- “Dois” [2004], a sua primeira exposição, foi uma “pedrada no charco”, em Alcobaça. Porquê aqui, as duas, e quais as principais diferenças entre elas?



RP - “Dois” gerou alguma polémica porque jogava com a pluralidade. Com o facto de tudo poder ter duas ou mais leituras, válidas. Mexia com as noções de concreto e abstracto, questionava o lugar da Fotografia, hoje, abordava temas-tabu. Era suposto ser um jogo de espelhos e o resultado não podia ter sido melhor: houve quem amasse, houve quem odiasse. Houve ainda quem só visse delírios formais e quem soubesse ler nas entrelinhas. Era um trabalho em camadas, muito irónico, mas não fechado sobre si mesmo. “Mater” vem desconstruir tudo isso, aparentemente. Não deixa de ser uma provocação que eu apresente erva, rochas e linhas de eléctricos como “paisagem”. Um local pode ser retratado de muitas formas e representar coisas muito diferentes, mas não deixa de ser um local. Deixa é, por vezes, de ser exterior para passar a ser interior. É disso que trata esta última série: de paisagens afectivas, de extensões do Eu, como se certas significações de determinados locais fossem “úteros”. Apresentei as duas em Alcobaça porque Lisboa não precisa delas. Há que espicaçar aqui, onde a dormência é maior. Há que partir carapaças.



LD_ Porquê o Posto de Turismo e não o Armazém das Artes, com melhores condições para acolher a sua exposição?



RP- A minha primeira escolha foi, de facto, o Armazém das Artes. O seu director, José Aurélio não se mostrou, contudo, minimamente receptivo. Foi caricato, o nosso encontro... Primeiro o Sr José Aurélio explicou-me que as galerias do Mosteiro, Posto de Turismo e Caixa de Crédito não são as mais indicadas para se expor Fotografia. Perguntei então se o AA, dado que é uma fundação cultural, não pretende prestar algum tipo de apoio aos jovens criadores da região, através de mostras colectivas, de um evento anual ou de um prémio, por exemplo. Foi-me dito que não é essa a filosofia do AA, mas que a fundação está aberta a doações. Depois de agradecer a disponibilidade e preparando-me já para sair, pergunta o Sr José Aurélio: “Mas quer que eu veja o seu trabalho?...” Mostrei, foi tecido um comentário de circunstância, saí.



LD- Com vontade de não voltar, imagino...



RP- Exacto. Não ficava mal um pouco mais de respeito. Mas isso não é o mais importante. Quis consultar os estatutos da fundação e não consegui, não estão disponíveis na página oficial, contrariando a política da maioria das fundações culturais. Encontrei, contudo, na mesma página, o discurso de inauguração, escrito pelo director José Aurélio, do qual constam estas linhas: “De acordo com os objectivos estatutários da Fundação, este novo espaço cultural irá promover não só alguns dos valores mais representativos de Alcobaça e das suas gentes mas também desenvolver projectos destinados aos mais jovens. Nesse sentido, assinámos há pouco protocolos com as Escolas D. Pedro e D. Inês e com o Agrupamento de Escolas Frei Estêvão Martins, tendo sido assinado também um protocolo com a Universidade de Coimbra, que abrange, para além do âmbito cultural, o vector científico.” Não posso acusar o AA do que ainda não fez, mas, a meu ver, o Alcobaça tem de adoptar uma postura “vigilante” face à fundação. O concelho agradece as exposições e conferências de grandes vultos, mas, a meu ver, precisa sobretudo que se acredite nos seus jovens, se valorize os seus idosos e se envolva as suas crianças em actividades artístico-culturais.



LD-No seu portefólio electrónico [www.ricardopassarinho-photo.blogspot.com], onde acabou de colocar as fotografias de “Mater”, assume-se alcobacense e lisboeta. Mas em breve vai mudar de continente...



RP- É verdade. Parte do que sou devo-o a este concelho, mais especificamente à Benedita, onde tive óptimos professores, e à minha aldeia, a Azambujeira, que na figura dos meus pais me incutiu valores que vão escasseando, nos dias que correm. Em Lisboa formei-me no que queria – Estudos Portugueses e Ingleses, aprendi mais fora da faculdade do que dentro das salas de aula, e tive a sorte de poder trabalhar apenas e sempre na minha área. Nunca dispensei a calma da casa da minha mãe e a beleza da Foz do Arelho no Inverno, e tive desde cedo a noção de que Lisboa era, por vários motivos, o caminho a seguir. Mas este ciclo, que eu chamo de pendular, acabou, naturalmente. Findo o meu mestrado, que me ocupou os últimos dois anos, recebi há poucos dias um convite para leccionar Literatura Portuguesa numa universidade em Luanda. Aceitei, claro. É a realização de um sonho: fazer o que gosto, com quem quer aprender, sentir que estou onde mais precisam de mim, e ter um novo horizonte para fotografar.



Ricardo Passarinho agradece a toda a equipa do Alcoa a generosidade com que acolheu o seu mais recente projecto fotográfico e “a sua voz única no concelho, no que respeita a um saudável e fértil sentido de ‘dever cultural’”.



Lúcia Duarte