terça-feira, setembro 18, 2007

Comunicado de Imprensa:

-----------------------------------------------
Chama-se “Mater”, o novo projecto fotográfico de Ricardo Passarinho, sucedendo a “Dois”, de 2004.Houve, na imprensa, quem considerasse “Dois” um ensaio sobre o amor, e quem visse nele uma reflexão sobre os limites da Fotografia, no século XXI.
O autor haveria de reconhecer que se tratava de um trabalho sobre a pluralidade – das relações humanas, da noção de “casa”, do que é concreto e do que é abstracto, da Fotografia, hoje.
A dúvida e as leituras múltiplas e entrecruzadas faziam parte do conceito, e o próprio modo como as imagens estavam dispostas conduziam o espectador a uma espécie de desorientação. Recorde-se “Postcard View”, a irónica fotografia de abertura, em que o bairro de Campolide (Lisboa) surgia estilizado, na saturação dos seus telhados vermelhos, no exagero da luz, no branco depurado das residências sociais de Alcântara, ao fundo.
Parecia, efectivamente um postal, para turista, mas não deixava de acolher as mazelas (remediadas) da capital.
Ao lado, a Foz do Arelho, no Inverno, desprovida das suas funções balneares e de pôres-do-sol laranja.
Antes cinzenta, chuvosa, uma aberta a iluminar a Berlenga, uma mar picado face a um pescador de garda-chuva fechado.
Haveria também um mapa desfocado, areia, um auto-retrato pixelizado, a sugerir metade de uma máscara, cinco imagens radicalmente diferentes a partir de uma mesma fotografia, dois rostos em espiral, entrelaçando-se, duas vezes – numa imagem uma fusão total, noutra dois lábios que se tocam.
Parava-se perante a quase microscopia do Vale Furado, a estudar os grãos (seria “só” areia?), tentava-se decifrar o mapa propositadamente semi-indecifrável e voltava-se atrás nas imagens abstractas e via-se nelas, claramente, sémen, sangue, uma parede, a imagem de uma TV sem sinal, ou talvez não.
Se “Dois” se apoiava na forma para transmitir as suas mensagens, em camadas, “Mater” parte da sua antítese aparente. Todas as fotografias se socorrem quer do objecto concreto fotografado, quer da técnica de captação dessa imagem.
Não há, por assim dizer, edição a posteriori.
Trata-se de visões criadas aquando do próprio acto de fotografar.
O desafio consiste, por um lado, em descodificar o título da série, à luz das imagens, e, por outro, em aceitar, face a algumas delas, a garantia do autor de não manipulação. São doze fotografias que retratam locais – São Martinho do Porto, Lisboa, Monsaraz, Porto Côvo – mas sobretudo paisagens afectivas.
Umas destacam-se pela crueza, outras porque se nos afiguram algo estranhas, outras ainda pela forma como o modo de captação serve o objecto.
O Marquês de Pombal, por exemplo, não será fácil de identificar, e contudo capta-se de forma precisa a sua identidade - ironicamente, a velocidade lenta da obturação potencia-lhe a vertigem, o fluxo constante.
As fotografias de São Martinho beneficiam da mesma técnica, amplificando o esmaecimento que a noite traz e a serenidade da baía, evocando aguarelas. Trata-se de momentos únicos, de conjugações raras de luz e cor, das quais o espelho de água que se captou, ao pôr-do-sol, na marina inacabada do Parque das Nações será um dos melhores exemplos. Há rochas, erva, água, natureza e urbanidade, e um fio condutor, como se tudo fizesse parte de um mesmo mapa, privado, de um mesmo espaço interior.
No seu todo, e em cada célula, pressente-se um conforto uterino, e o desenho de uma projecção, humana.“Mater” estará patente na Galeria do Posto de Turismo de Alcobaça, de 18 a 30 de Setembro, e na Galeria da Sede da Região de Turismo de Leiria/Fátima (Leiria), de 1 a 14 de Novembro.
Ricardo Passarinho tem 28 anos, é professor e encontra-se a finalizar o mestrado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi discente de Sérgio Mah, comissário do Lisboa Photo, em 2003.