quarta-feira, novembro 14, 2007

BREVE NOTA SOBRE O TRAÇADO DO TGV PARA O PORTO

O que aqui se vai reproduzir, na íntegra, é um email enviado pelo Professor António Brotas a um dos elementos do grupo de Aljubarrota que organizou as sessões de esclarecimento sobre o TGV em Ataija de Cima e Moleanos, em 28 de Outubro:

O traçado do futuro TGV de Lisboa ao Porto e a prioridade a dar a esta linha são temas que ocuparão a Comunicação Social portuguesa, possivelmente, durante uma década.
As presentes divergências entre a RAVE e os técnicos que fizeram para a CIP o estudo do acesso ferroviário ao aeroporto de Alcochete, são só um episódio, algo lateral, de uma polémica que vai continuar.
A futura linha TGV para o Porto passará, inevitavelmente, perto de Pombal, pelo que o seu estudo se divide em duas partes quase independentes, a da linha a Norte e a da linha a Sul de Pombal.
Nesta breve nota só é considerada a segunda, em que o traçado do TGV para o Porto tem ser conjugado com o traçado da linha para Badajoz e com o acesso ferroviário ao futuro NAL.
A entrada dos TGVs em Lisboa levanta difíceis problemas.
i- A entrada a Norte, pelo vale de Loures, tem custos elevadíssimos porque obriga a um trajecto de quase 40 km cheio de túneis e viadutos. Em tempos, esta solução foi considerada pela RAVE, mas depois posta de lado.
ii- O trajecto em sobreposição à actual linha do Norte tem o muito difícil problema da passagem por Alhandra e Vila Franca onde a duplicação da linha à superfície é muito dificil. A única solução parece ser a de um tunel com cerca de 8 km. (Foi este problema que levou a RAVE a pensar na solução, hoje já posta de lado, de uma linha mista para o Porto, com troços de bitola ibérica e de bitola europeia, separados por intercambiadores de mudança de bitola).
iii-As travessias ferroviárias do Tejo, na direcção do Barreiro ou do Montijo, por ponte ou por túnel, são obras caríssimas, com impactos ambientais ainda não inteiramente avaliados, que obrigam a encargos financeiros que o País neste momento dificilmente pode aceitar, e que estão, ainda, muito longe de estar suficientemente estudadas.
Para resolver o problema das linhas TGV para o Porto e para Badajoz, a proposta apresentada pelo PS no seu programa eleitoral de 2005 foi a uma ponte para o Barreiro, que serviria para os comboios para Badajoz, para o Algarve e, também, para os com destino ao Porto, que depois de descreverem um arco voltariam a atravessar o Tejo acima de Vila Franca para irem à Ota e daí seguirem para o Porto.
Mas, rapidamente, se viu que o trajecto dos TGVs para o Porto por esta ponte demoraria tanto ou mais tempo que o dos actuais comboios pendulares da linha do Norte.
Foi então recuperada a entrada pelo vale de Loures e o Ministério passou a defender além da ponte para o Barreiro e a entrada a Norte.
Esta opção, que obrigaria a 10 km de vias de bitola europeia no interior de Lisboa (que ainda ninguém precisou se seriam em tunel, em viaduto ou à superfície) foi integrada no projecto português de Alta Velocidade apresentado pelo Presidente da RAVE/REFER, em 13 de Dezembro de 2005, e foi defendida pela Secretária de Estado Ana Vitorino num encontro na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 6 de Março de 2007.
No mesmo encontro, o Eng. Arménio Matias, fundador e primeiro Presidente da ADFER, defendeu a solução de um túnel ou ponte para o Montijo. Esta, solução com menos inconvenientes para a navegação no Tejo e, possivelmente, mais barata, tem a vantagem de poder ser usada pelos TGVs para o Porto que, seguindo pela margem esquerda do Tejo, possivelmente até à Chamusca, podem fazer o trajecto num tempo razoável. A segunda saída de Lisboa seria assim evitada.
Os estudos da RAVE têm tido alguma evolução e a segunda saída agora prevista não é por Loures, mas pelo vale do Trancão.
Em face do problema agora surgido do acesso ao aeroporto em Alcochete, a RAVE acrescentou à proposta que já tinha a proposta de um curto ramal que, partindo de um ponto entre o Pinhal Novo e o Poceirão, poderá dar acesso ao novo aeroporto. Esta proposta parece-me inteiramente acertada. O estudo em detalhe deste ramal ainda não está feito, mas, obviamente, o seu projecto definitivo depende muito mais da implantação do aeroporto do que da rede TGV, neste caso, a proposta pela RAVE.
Chegamos assim a uma situação curiosa. Embora a rede proposta pela RAVE tenha, desde o início, sido elaborada com o propósito de servir um aeroporto na Ota, agora, serve melhor um aeroporto em Alcochete. (Com efeito, embora a linha proposta pela RAVE passe perto do aeroporto previsto na Ota, o problema do acesso ferroviário a este aeroporto está ainda muito longe de estar resolvido).
A proposta da RAVE que, a meu ver, está muito insuficientemente estudada a Norte do Tejo, tem, no entanto, o mérito de prever a construção da linha para Badajoz com passagem pelo Poceirão e Pinhal Novo.
Esta é, a meu ver, a mais imediata prioridade nacional . É altamente desejável que na próxima cimeira (adiada para o início de 2008) Portugal e a Espanha se ponham de acordo para construir esta linha num prazo o mais rápido possível.
Na rede TGV proposta no estudo da CIP da acessibilidade ferroviária ao aeroporto de Alcochete (a avaliar pelo pequeno mapa publicado na página 4 do "Público" do dia 11), não está prevista a passagem no Poceirão e no Pinhal Novo. Parecer-me ser um erro que a CIP poderá facilmente corrigir.
Este estudo das acessibilidades partiu de um pressuposto a meu ver errado: o de que os TGVs teriam de passar no novo aeroporto. Por isso deformou a rede TGV para satisfazer esta condição.
Ora, sendo certo que os TGV devem passar perto dos aeroportos, não é necessário que lá passem. O que é desejável é que os aeroportos sejam servidos por navetes frequentes, que utilizem ramais desenhados em conformidade com a estrutura dos aeroportos, e que, normalmente, devem ligar às linhas TGV próximas.
A CIP não tem assim que se preocupar com o acesso ferroviário ao aeroporto de Alcochete, porque este acesso será sempre fácil ( em qualquer caso mais fácil do que ao da Ota) dado termos de fazer uma linha TGV para Badajoz.
Do exposto resulta que, as nossas prioridades são, neste momento :
1-A efectivação do acordo com a Espanha com vista à construção da linha de
Badajoz ao Poceirão e ao Pinhal Novo. Esta linha, a nossa primeira ligação à rede europeia de bitola standard, é fundamental para o trânsito das nossas mercadorias para o centro da Europa. Com o acrescento até ao Pinhal Novo, poderemos, dentro de muito poucos anos, ter passageiros a vir de TGV de Madrid para a Área Metropolitana de Lisboa.
2- A definição da localização do Novo Aeroporto de Lisboa, que se for em Alcochete poderá ser construído por fases e ter uma expansão quase ilimitada.
3- A travessia ferroviária do Tejo, a entrada dos TGVs em Lisboa, a futura estação central em Lisboa e o trajecto do TGV para o Porto. Estes problemas têm de ser pensados, mas nenhum deles é urgente. Estão todos interligados, obrigam a esforços financeiros muito grandes, e exigem estudos aprofundados que ainda não estão feitos. Temos tempo para os fazer. O que temos de evitar, são decisões precipitadas.
Para já. temos duas propostas em cima da mesa . A da ponte para o Barreiro e a da travessia para o Montijo. Os proponentes de uma e de outra terão de as aprofundar e justificar melhor . (O representante da RAVE para justificar a sua proposta, apresentou ontem na Televisão números e fez considerações sobre os passageiros interessados que me pareceram algo fantasiosos). Pessoalmente penso que há uma solução preferivel. A da travessia do Tejo entre Alverca e Alhandra. Foi esta, aliás, a considerada pela RAVE no estudo da rede TGV que fez logo a seguir à sua formação. Se procurarem nos arquivos, devem-na encontrar.

Estes assuntos do ponto 3 têm de ser muito discutidos pelo país, se possivel com a participação das autarquias. Temos felizmente tempo para isso. (11/11/2007)

António Brotas
Professor jubilado do IST