sexta-feira, fevereiro 08, 2008

TGV: Comboio que rasga passagem é "vizinho indesejado" para moradores de Pombal e Alcobaça

6 de Fevereiro de 2008, 14:54

** Paulo Jorge Agostinho (texto) e Paulo Novais (fotos), Agência Lusa **

Leiria, 06 Fev (Lusa) - A futura linha do TGV entre Alenquer e Pombal é vista como uma "intrusa" e uma "vizinha indesejada" para quem passará a ter o comboio à porta das suas casas.

Em Pombal, uma capela, uma escola, uma exploração de caulino e várias casas estão em risco. Tudo depende da linha do mapa aprovado a traçar no terreno pelos engenheiros, a qual pode afectar até o cemitério de Almagreira.

O receio é do presidente da Junta de Freguesia de Almagreira, Fernando Matias, que, hoje, à Agência Lusa, admitiu que as movimentações de terra a fazer junto à linha irão afectar todos aqueles equipamentos.

"Nem os mortos escapam". O desabafo é de Celeste Cordeiro, moradora em Assanha da Paz, que poderá ver a linha ferroviária de alta velocidade nas traseiras da sua casa, nos campos onde agora tem uma pequena horta.

A linha de alta velocidade não pode ter inclinações superiores a dois graus e qualquer curva tem pelo menos cinco quilómetros de extensão, pelo que a margem de tolerância é mínima e os moradores já começam a saber disso, seja pelas Juntas de Freguesia, seja pela consulta do processo de avaliação de impacto ambiental.

"Dizem que aqui vai haver um aterro grande que rebenta com estas casas", disse à Agência Lusa Fátima Gomes, moradora em Barros da Paz, um pouco a norte da Assanha, e que vê com apreensão a possibilidade de perder a habitação onde vive.

"Os engenheiros já vieram aqui fazer medições, mas nunca nos disseram nada. Anda uma pessoa a gastar uma vida a fazer uma casa e agora, por causa de uns tipos de Lisboa, ficamos sem nada", afirmou Fátima Gomes, prometendo sair da vista da alta velocidade.

"Se o comboio passar aqui, vou para longe... Não quero saber mais nada disto", assegurou, olhando desanimada para a sua casa, construída há poucos anos de onde quase dá para ver o mar.

Para que a linha seja construída, serão feitas muitas movimentações de terras e várias obras de engenharia, um esforço que o presidente da Junta da Almagreira, Fernando Matias, considera ser "exagerado" para o retorno do novo meio de transporte.

Mais a sul, em Alcobaça, estão contabilizadas duas dezenas de casas que serão destruídas para que se poupe no tempo gasto de comboio entre as duas maiores cidades do país.

"Mas eu até nem costumo ir a Lisboa ou ao Porto, para que é que eu quero um TGV à porta?", perguntou Ângelo Alexandre, morador na Moita do Poço (freguesia de Turquel) que verá o comboio levar-lhe a oficina de automóveis, mas deixando-lhe a casa onde vive.

"Sé é para tirarem, ao menos que levem tudo para eu também tirar daqui a ideia", defendeu este ex-imigrante em França em declarações à Agência Lusa, contestando a proposta de uma linha ferroviária de alta velocidade para aquela zona.

"Se a querem construir, façam-na ao pé da auto-estrada, não aqui", acrescentou.

Adelino Dinis não vai perder uma casa, mas sim três: aquela onde vive, a que era dos pais e uma que era de um tio.

"É preciso pontaria". Entre um sorriso conformado e palavras de revolta, Adelino Dinis disse que vai ficar melhor do que os vizinhos, que conhece desde garoto. "Antes sair daqui do que ter esta coisa aqui ao lado e ter de viver com ela".

Quem também não está contente com o TGV é João Felizardo, que adquiriu há poucos anos uma casa antiga e restaurou-a com "todo o carinho e mimo".

"Tenho apartamento na Benedita mas decidi comprar isto para ir fazendo e restaurando a meu gosto. Mas agora já não sei o que fazer", lamentou este empresário de 53 anos.

Só no portão centenário, João Felizardo gastou "milhares de euros", a que se somam as pedras de lagares compradas em aldeias e toda uma panóplia de alfaias tradicionais que transformaram a casa térrea num pequeno museu à herança cultural local. "Eu escolhi isto pelo sossego e agora vou ter um TGV à porta. Quem é que queria uma coisa destas?".

Uns metros em direcção a Lisboa, já na freguesia vizinha da Benedita, os ânimos estão também ao rubro e os moradores prometem lutar com todas as armas contra uma linha indesejada, até porque obedece a critérios ambientais incompreensíveis para muitos.

"Eles fazem o desvio dos morcegos em Rio Maior, mas vão destruir a Ribeira do Mogo na Chiqueda, que é uma coisa única", alertou Joaquim Sousa, morador na Charneca do Casal do Guerra, que vai ter a linha junto ao limite da sua casa.

"Isto não faz sentido e eu ainda espero que alguém ponha a mão na consciência, porque podiam desviar a linha mil metros para o sopé da serra que não atingia ninguém", aconselhou.

Já a sua irmã, Maria de Sousa, vê o futuro mais negro e verá a sua casa destruída pelos comboios que vão unir Portugal a Espanha e ao resto da Europa.

Curioso é o facto do moinho que Maria Sousa restaurou ser uma das peças a preservar pelos técnicos da Rede de Alta Velocidade (RAVE), que definiram o corredor, enquanto a casa onde vive será destruída.

"Nunca ninguém me deu dinheiro para arranjar o moinho. E agora é ele que fica e eu é que tenho que me ir embora", afirmou, desiludida.

Perante a posição, aparentemente irredutível, dos técnicos, o seu sobrinho, Luís Sousa, dá uma receita que, acredita, até pode dar resultado: "Vamos todos de comprar moinhos velhos e encostá-los às nossas casas. Pode ser que, assim, elas se salvem".

Lusa/Fim

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